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  • CAPÍTULO 41 – A que horas convém fazer as refeições 

    CAPÍTULO 41 – A que horas convém fazer as refeições 


    [1] Da Santa Páscoa até Pentecostes, façam os irmãos a refeição à hora sexta e ceiem à tarde. [2] A partir de Pentecostes, entretanto, por todo o verão, se os monges não têm os trabalhos dos campos ou não os perturba o excesso do verão, jejuem quarta e sexta-feira até a hora nona; [3] nos demais dias jantem à hora sexta. [4] Se tiverem trabalho nos campos ou se o rigor do verão for excessivo, o jantar deve ser mantido à hora sexta: ao Abade caiba tomar a providência. [5] E, assim, que tempere e disponha tudo, de modo que as almas se salvem e que façam os irmãos, sem justa murmuração, o que têm de fazer.

    [6] De 14 de setembro até o início da Quaresma façam a refeição sempre à hora nona. [7] Durante a Quaresma, entretanto, até a Páscoa façam-na à hora de Vésperas. [8] Sejam essas celebradas de tal modo, que os irmãos não precisem, à refeição, da luz de uma lâmpada, mas que tudo esteja terminado com a luz do dia. [9] E mesmo em todas as épocas esteja tanto a hora da Ceia como a do jantar de tal modo disposta, que tudo se faça sob a luz do dia. 

  • 19/11/2024 – Jesus e Zaqueu

    19/11/2024 – Jesus e Zaqueu


    1 Jesus tinha entrado em Jericó
    e estava atravessando a cidade.

    2 Havia ali um homem chamado Zaqueu,
    que era chefe dos cobradores de impostos e muito rico.

    3 Zaqueu procurava ver quem era Jesus,
    mas não conseguia, por causa da multidão,
    pois era muito baixo.

    4 Então ele correu à frente
    e subiu numa figueira para ver Jesus,
    que devia passar por ali.

    5 Quando Jesus chegou ao lugar,
    olhou para cima e disse:
    “Zaqueu, desce depressa! 
    Hoje eu devo ficar na tua casa”.

    6 Ele desceu depressa, 
    e recebeu Jesus com alegria.

    7 Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo:
    “Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!”

    8 Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor:
    “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres,
    e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”.

    9 Jesus lhe disse:
    “Hoje a salvação entrou nesta casa,
    porque também este homem é um filho de Abraão.

    10 Com efeito, o Filho do Homem
    veio procurar e salvar o que estava perdido”.

  • 40º Dia – Domingo de Ramos da Paixão do Senhor

    40º Dia – Domingo de Ramos da Paixão do Senhor


    Escrevemos esta Regra para demonstrar que os que a observamos nos mosteiros, temos alguma honestidade de costumes ou algum início de vida monástica. Além disso, para aquele que se apressa para a perfeição da vida monástica, há as doutrinas dos Santos Padres, cuja observância conduz o homem ao cume da perfeição. Que página, com efeito, ou que palavra de autoridade divina no Antigo e no Novo Testamento não é uma norma retíssima da vida humana? Ou que livros dos Santos Padres Católicos ressoam outra coisa senão o que nos faça chegar, por caminho direto, ao nosso Criador? E também as Colações dos Padres, as Instituições e suas Vidas, e também a Regra de nosso santo Pai Basílio, que outra coisa são senão instrumentos das virtudes dos monges que vivem bem e são obedientes? Mas para nós, relaxados, que vivemos mal e somos negligentes, são o rubor da confusão. Tu, pois, quem quer que sejas, que te apressas para a pátria celeste, realiza com o auxílio de Cristo esta mínima Regra de iniciação aqui escrita e, então, por fim, chegarás, com a proteção de Deus, aos maiores cumes da doutrina e das virtudes de que falamos acima. Amém.”

    São Bento escreveu, pois, uma Regra que pode e deve ser observada em comum, sob a forma cenobítica do monarquismo. Com sua feição jurídica tem por fim santificar a comunidade e por meio desta, cada monge individualmente. Não imediata, mas só mediatamente é que ela atinge o indivíduo. O que, antes de tudo, se pretende com a formação e o aperfeiçoamento da família monástica, é a honestidade de comportamento. Essa expressão significava, para o cidadão romano, honestidade civil, perfeição moral pressuposta no cidadão romano, que, segundo a tradição dos antepassados, vive para o bem da res publica Romana. Aplicada à comunidade eclesiástica da Cidade de Deus, honestidade de comportamento significa a vida cristã perfeita, segundo os mandamentos de Deus e os ensinamentos da Igreja.

    “De resto, para os que se apressam a chegar à perfeição da vida monástica, há a doutrina dos santos Padres, cuja observância leva o homem ao cume da perfeição. Pois, qual a página do Antigo ou do Novo Testamento que não seja para a vida humana, uma certíssima norma” Parece que com “resto”, S. Bento se afasta da Regra. “De resto”, além da Regra, a qual é apenas um início, existem outras doutrinas. Não podemos compreender perfeitamente este capítulo, sem considerarmos que nele S. Bento não fala à comunidade monástica, mas, se dirige a cada um individualmente; além disso, que não tem em mira o estado monástico, mas a “vida humana”. Os santos Padres, de que se trata aqui, são os patriarcas- e profetas, os apóstolos e evangelistas, os autores dos livros sagrados, porque eles têm importância para todos os homens. Além disso a Sagrada Escritura, sendo revelação de Deus aos homens, é, como tal, uma norma de vida que vale para todos. Sendo o monge um membro da sociedade humana, S. Bento lhe indica à lei mais geral e sublime, na qual cada palavra vem de Deus e por isso conduz à perfeição. O ser humano que almeja viver segundo a palavra de Deus, é o que foi modelado em Cristo, o que participa daquela humanidade que apareceu sobre a terra, na humanidade do Salvador.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 407-408
  • 39º Dia – Sábado da 5a Semana da Quaresma

    39º Dia – Sábado da 5a Semana da Quaresma


    Assim como há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno, assim também há o zelo bom, que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. Exerçam, portanto, os monges este zelo com amor ferventíssimo isto é, antecipem-se uns aos outros em honra. Tolerem pacientissimamente suas fraquezas, quer do corpo quer do caráter; rivalizem em prestar mútua obediência; ninguém procure aquilo que julga útil para si, mas, principalmente, o que o é para o outro; ponham em ação castamente a caridade fraterna; temam a Deus com amor; amem o seu Abade com sincera e humilde caridade; nada absolutamente anteponham a Cristo – que nos conduza juntos para a vida eterna.”

    “Assim como há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno, assim também há um bom zelo que separa do pecado e conduz a Deus e à vida eterna”. Essa introdução do tema lembra logo o pensamento escatológico, fundamental, com que termina também este pequeno tratado. O Santo, numa visão de conjunto, considera o tempo de vida: concedido a cada um, e o vê ocupado em uma zelosa obra para Deus. Nos capítulos 69 e 70, S. Bento define e condena o mau zelo. O bom zelo porém, deve ser praticado pelos monges, com ardentíssimo amor. O zelo é sempre uma propriedade das almas ardentes; todavia, S. Bento usa o superlativo, grau pouco empregado por ele: ferventíssimo amor. Aqui não entra em conta o fervor de novato que é natural nos monges jovens. Agora, no termo de sua Regra, S. Bento fala a monges maduros que, antes necessitam de estímulo que de freio. Exerçam os monges seu zelo com ardentíssimo amor a Deus. Como se deve fazer isso? O mestre responde, estabelecendo uma escala: ascendente de 8 virtudes.

    “Antecipem-se, uns aos outros, com mútua atenção”. Essa admoestação, tirada de S. Paulo (Rom. 12, 10), refere-se imediatamente à comunidade e indica que, a ela se deve o zelo da caridade. Deste zelo faz parte, antes de tudo, o respeito mútuo, no que os irmãos procurem superar uns aos outros. Não há vida em comum em que uns, com as faltas de natureza corporal, moral e psicológica, não sirvam de sacrifício para os outros, Cada um tem suas fraquezas. E para não ofender pessoa alguma, é necessário não só paciência, como muita indulgência e disposição para fechar os olhos a muitas coisas. As vezes, fazem os irmãos passarem por dura prova, as fraquezas que mal são notadas por quem as possui, como sejam: velhice, saúde frágil, nervosismo, estreiteza de espírito, gosto de altercar, loquacidade e coisas semelhantes. Assim S. Bento exige muita paciência. Tem lugar aqui, também, a recomendação à obediência mútua, à qual já foi dedicada um capítulo (cap. 71). Estar disposto a ver em cada um dos irmãos o próprio superior, é certamente fruto de um zelo ardente. Neste espírito e nesta prática da obediência, deve existir verdadeira porfia entre os irmãos. Disso resulta, naturalmente, que ninguém procura o que lhe é útil, mas, cada um, aquilo que reconhece ser vantajoso para o próximo. O ensinamento de S. Paulo, dirigido aos primeiros cristãos (1 Cor. 10, 24. 33), quando realizado, é o sinal certo da verdadeira comunidade. Recapitulando quanto foi dito, o mestre e pai espera que, na caridade fraterna, pura, os irmãos mostrem seu amor fraterno. Cada uma das três expressões reveste e exprime uma realidade diferente: caritas amor e caste, Caritas é o amor que, sendo dádiva de Deus, infunde (nos irmãos) o zelo sobrenatural por cada um e por todos na comunidade. É o Espírito Santo operando nas almas, o amor essencialmente divino. Amor é o amor humano, natural. Este convém e precisa estar presente e manifestar-se em atos, a não ser que o amor sobrenatural deva permanecer uma ideia, uma abstração teórica. Os homens não podem manifestar, uns aos outros, o seu amor, senão de maneira humana. A caridade, pois, há de assumir, também, a forma humana da obsequiosidade, da cortesia, do respeito, suportar com paciência e prestar favores com amabilidade, segundo ficou declarado nas instruções do capítulo anterior, Mas êsse “eros”, na sua feição humana tem de ser purificado, enobrecido, transfigurado e santificado pela caridade. S. Bento não tolera o sentimentalismo mórbido. Castitas é a renúncia a toda espécie de egoísmo no amor, que se manifesta sob a forma de veneração, favor e sacrifício. Sem esta virtude, a caridade fraterna seria também egoísmo natural e estaria despojada do seu mais nobre valor. Mas, a caridade utiliza-se de bom grado, do amor humano, nobre, para exprimir sua incomparável elevação. Daí revestir a verdadeira caridade tantas formas de amor, como sejam o respeito, a cortesia, à consideração, a atenção, até o ósculo da paz na liturgia. Onde há caridade e amor, Deus lá está. Os dois dons mais nobres da alma, um infundido pela graça divina, o outro pertencente à natureza humana, e dos quais o coração humano é capaz, devem unir-se em um só amor para a felicidade mútua na comunidade.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 403-405
  • 38º Dia – Sexta-feira da 5a Semana da Quaresma

    38º Dia – Sexta-feira da 5a Semana da Quaresma


    Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o Cristo, pois Ele próprio irá dizer: “Fui hóspede e me recebestes”. E se dispense a todos a devida honra, principalmente aos irmãos na fé e aos peregrinos. Logo que um hóspede for anunciado, corra-lhe ao encontro o superior ou os irmãos, com toda a solicitude da caridade; primeiro, rezem em comum e assim se associem na paz. Não seja oferecido esse ósculo da paz sem que, antes, tenha havido a oração, por causa das ilusões diabólicas. Nessa mesma saudação mostre-se toda a humildade. Em todos os hóspedes que chegam e que saem, adore-se, com a cabeça inclinada ou com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é recebido na pessoa deles.”

    Em todos os tempos os lugares santos atraíram os homens. Esta atração deu origem às peregrinações e romarias. À fama dos santos eremitas, que moravam no deserto, atraiu para lá ora algumas pessoas, ora grandes grupos que procuravam dos homens de Deus doutrina e conselhos. O desejo de ouvir a palavra de homens possuidores do Espírito continuou vivo no monaquismo, mesmo em época posterior. Desde que os fiéis já não podiam dirigir-se a um determinado varão espiritual, mas tinham de procurar comunidades inteiras, reunidas em um cenóbio, as formas de peregrinação necessariamente tinham de mudar. Uma das notas mais características da fundação de Monte Cassino é o fato de, desde seus primórdios, tornar-se centro e meta para peregrinos vindos de longe e de perto. Os Diálogos de S. Gregório dão-nos disso uma ideia rica de colorido. Neste sentido Monte Cassino aceitou também a tradição dos antigos monges. Sabia-se perfeitamente que, com o hóspede, entrava no mosteiro uma parcela do mundo. Precisamente o trato dos hóspedes exigia ser disposto de tal modo que nem o visitante se sentisse mal acomodado, nem a observância dos irmãos fosse perturbada. Estas exigências estariam satisfeitas se o hóspede participasse do ambiente espiritual do mosteiro, Isso se realiza através do fundamento cristão comum, sobre o qual S. Bento baseia a hospitalidade elevando-a acima de considerações puramente humanas e terrenas. “Todos os hóspedes que chegarem devem ser recebidos como Cristo, pois Ele dirá um dia: “fui hóspede e recebestes-me””, Entre os romanos à hospitalidade profana baseava-se em direito sacral. A princípio tanto a hospitalidade oferecida por comunidades quanto a praticada por indivíduos firmava-se em um contrato: O hóspede torna-se participante da vida familiar, prende-se por laços religiosos ao dono da casa que o protege e o ajuda em assuntos jurídicos. É, pois, com razão que Santo Ambrósio fala de “direitos de relacionamento hospitalar; o direito inviolável de hospitalidade”. A palavra do Evangelho dá à hospitalidade um caráter sagrado, tornando-a também, no sentido cristão, um ato religioso. Na pessoa do hóspede, o monge vê Cristo; em uns Ele aparece na forma de senhor nobre e rico, em outros como simples peregrino ou pobre mendigo. E se Cristo é visto em todos, a cada um deles se deve tributar a honra que lhe compete. Um só Cristo é venerado, mas deve ser distinguido com a honra correspondente à forma em que se apresenta. Se. quiséssemos prestar honras principescas a um mendigo este se julgaria escarnecido. S. Bento nunca se esquece da justa medida da ordem.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 307-308
  • 37º Dia – Quinta-feira da 5a Semana da Quaresma

    37º Dia – Quinta-feira da 5a Semana da Quaresma


    Se bem que a vida do monge deva ser, em todo tempo, uma observância de Quaresma, como, porém, esta força é de poucos, por isso aconselhamos os monges a guardarem, com toda a pureza, a sua vida nesses dias de Quaresma e também a apagarem, nesses santos dias, todas as negligências dos outros tempos. E isso será feito dignamente, se nos preservamos de todos os vícios e nos entregamos à oração com lágrimas, à leitura, à compunção do coração e à abstinência. Acrescentemos, portanto, nesses dias, alguma coisa ao encargo habitual da nossa servidão: orações especiais, abstinência de comida e bebida; e assim ofereça cada um a Deus, de espontânea vontade, com a alegria do Espírito Santo, alguma coisa além da medida estabelecida para si; isto é: subtraia ao seu corpo algo da comida, da bebida, do sono, da conversa, da escurrilidade, e, na alegria do desejo espiritual, espere a Santa Páscoa. Entretanto, mesmo aquilo que cada um oferece, sugira-o ao seu Abade, e seja realizado com a oração e a vontade dele, pois o que é feito sem a permissão do pai espiritual será reputado como presunção e vanglória e não como digno de recompensa. Portanto, tudo deve ser feito com a vontade do Abade.”

    Já no capítulo anterior nos foi apresentada a Quaresma assinalada pela escolha e aplicação cuidadosa da leitura. S. Bento não podia terminar sua distribuição do tempo, iniciada no capítulo 43, sem fazer menção especial do período de 40 dias, que precede 2 Páscoa. E o faz de maneira digna do sublime conceito que tinha da vida religioso-eclesiástica. Por estreitos que sejam os laços que o prendem à tradição eclesiástica e monástica, não deixa de imprimir também a este capítulo o cunho de sua grande personalidade.

    A partir do primeiro concílio ecumênico, Nicéia 325, a palavra Quaresma soa de modo particularmente venerável na vida litúrgica e disciplinar da Igreja. O jejum pascal originou-se da vigília de Páscoa; passou depois para o Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor e daí para toda a semana santa. Finalmente abrangeu os 40 dias que precedem a única festa de outrora, que por esta razão era a maior. Este santo tempo era dedicado não só ao jejum enquanto é um regime de vida mais rigoroso, mas principalmente ao serviço divino, à oração e à leitura, sendo reservado, de modo especial, ao ensino dos catecúmenos que se preparavam para o santo Batismo. O neófito experimentava no Batismo, sob a forma sacramental, a morte e a ressurreição do Senhor, transformando-se, por este modo em um membro do Corpo místico de Cristo, a santa Igreja. Assim, para cada cristão, os 40 dias antes de Páscoa, eram anualmente um tempo de recolhimento, de espírito de penitência e de preparação para a santa solenidade da Páscoa, sol brilhante a espalhar os raios sobre todo o ano litúrgico. A primeira frase deste capítulo é fundamental e contém o desejo do Santo Patriarca de que toda a vida do monge seja formada pela santa Quaresma. Isso mostra com que intensidade o monge deve participar deste tempo de santificação. O olhar de S. Bento está voltado para a parusia, a “Páscoa eterna”, a suprema glorificação com Cristo e em Cristo, À vida monástica é também o catecumenato para a vigília da morte e da ressurreição, respectivamente a oite e a aurora da eternidade. Desta consideração resulta, naturalmente, que a vida do monge deve ser uma Quaresma contínua, afastada do mundo, de seus bens e alegrias, dedicada unicamente à união íntima com Deus. S. Bento aplica aos monges o dito de S. Leão Magno, que se refere a todos os cristãos: São poucos os que possuem a energia, a constância e a perseverança que tal atitude requer, Assim, cada ano, nos dias da Quaresma, deve-se pôr em prática o que não é possível realizar durante toda a vida com a mesma ou ainda maior intensidade. Para isso se exige a atitude fundamental que dá à vida monástica seu sentido, à saber: guardar a vida com grande pureza. “Pureza” tem aqui o sentido de “pureza do coração”. Segundo Cassiano, a “pureza de coração” é, por essência, a caritas. Segundo este mesmo autor, a “pureza” consiste no estado interior livre de qualquer apego ao mal. Quando a “pureza do coração” se torna uma atitude constante da alma, graças à sua virtude operante apaga os pecados e negligências do tempo passado e transforma a santa quarentena em exercício de expiação para o monge. Esta purificação, em seu processo, obedece ao princípio interior da pureza é considerada de modo negativo é, por natureza, afastamento de qualquer contato com o mal; de modo positivo, porém, é o emprego de todos os meios que favorecem a ascensão para Deus. Estes meios são: a oração das lágrimas, a santa leitura, exame do próprio coração com arrependimento, moderação quanto às exigências naturais. Entrando na aplicação prática, S. Bento indica o que cada um, em particular, pode acrescentar ao que ordinariamente é exigido pela observância monástica, sem sair dos limites da vida comum. Ele enumera: orações especiais, abster-se de alimentos e bebidas, de sono e conversa, de qualquer superficialidade e alegrias excessivas. Propositadamente cita, em primeiro lugar, oração, leitura, penitência, por conseguinte concentração e preparação espiritual; só depois vem abstinência das coisas que agradam aos sentidos. Tudo isso são sacrifícios feitos com o fim de renunciar aos bens e alegrias naturais exteriores, Como dádivas, estas renúncias são insignificantes, mas pelo espírito de sacrifício agradam a Deus: são oferecidas pela graça do Espírito Santo e com o desejo da festa pascal, aguardada alegremente, desejo este infundido ainda pelo mesmo Espírito Santo. O monge se sente, pois, nestes quarenta dias de preparação, cheio de entusiasmo carismático. Suas penitências são apenas expressões da santa alegria com que o Espírito divino faz a alma transbordar na expectativa da santa noite de Páscoa. Este traço sobrenatural (pneumático) fundamental da solenidade do jejum é, depois, aplicado concretamente à vida monástica.

    Por própria iniciativa, sob a inspiração do Espírito Santo, cada monge oferece seu sacrifício quaresmal. Pela primeira e última vez, a vontade própria, em geral tão fortemente reprovada, é aqui aprovada. Mas, mesmo nesta única vez, depende do consentimento do superior. O sacrifício que cada um faz particularmente deve ser submetido ao julgamento do abade e ser posto em prática depois de receber sua bênção e consentimento. O abade que é o portador do Espírito para toda a comunidade, deve também aprovar a manifestação que o Espírito faz aos seus discípulos a fim de que a mesma sirva de salvação para eles e para a comunidade. O que não trouxer esta espécie de selo do pai espiritual, não tem valor diante de Deus, ao contrário é presunção, vanglória, e não é aceito por Deus. O que se oferece por amor próprio não recebe resposta da parte de Deus nem merece a recompensa de sua graça. A vontade do monge só é agradável a Deus, quando se une à vontade do abade, e, por esse meio à de toda a comunidade. Daqui deduz S. Bento o princípio geral que vale para todos os atos da vida monástica: “Por conseguinte, deve-se fazer tudo com a vontade do abade”.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 295-297
  • 36º Dia – Quarta-feira da 5a Semana da Quaresma

    36º Dia – Quarta-feira da 5a Semana da Quaresma


    A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual. Pela seguinte disposição, cremos poder ordenar os tempos dessas duas ocupações: isto é, que da Páscoa até o dia 14 de setembro, saindo os irmãos pela manhã, trabalhem da primeira hora até cerca da quarta, naquilo que for necessário. Da hora quarta até mais ou menos o princípio da hora sexta, entreguem-se à leitura. Depois da sexta, levantando-se da mesa, repousem em seus leitos com todo o silêncio; se acaso alguém quiser ler, leia para si, de modo que não incomode a outro. Celebre-se a Noa mais cedo, pelo fim da oitava hora, e de novo trabalhem no que for preciso fazer até a tarde. Se, porém, a necessidade do lugar ou a pobreza exigirem que se ocupem, pessoalmente, em colher os produtos da terra, não se entristeçam por isso, porque então são verdadeiros monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também os nossos Pais e os Apóstolos. Tudo, porém, se faça comedidamente por causa dos fracos. De 14 de setembro até o início da Quaresma, entreguem-se à leitura até o fim da hora segunda, no fim da qual se celebre a Terça; e até a hora nona trabalhem todos nos afazeres que lhes forem designados. Dado o primeiro sinal da nona hora, deixem todos os seus respectivos trabalhos e preparem-se para quando tocar o sinal. Depois da refeição, entreguem-se às suas leituras ou aos salmos. Nos dias da Quaresma, porém, da manhã até o fim da hora terceira, entreguem-se às suas leituras, e até o fim da décima hora trabalhem no que lhes for designado.”

    Após ter S. Bento determinado em sua Regra o conteúdo, o horário e o espírito do Opus primarium (a oração), a que o monge nada deve antepor, passa a tratar do trabalho corporal e espiritual, incluindo-o no esquema de sua ideia monástica universal. Introduzindo em seu código a obrigação do trabalho, S. Bento separa sensivelmente da tradição oriental o monaquismo romano. Não que os mosteiros orientais não consagrassem também ao trabalho a devida atenção — fizeram-no até em ampla escala — mas foi somente com S. Bento que o trabalho encontrou valor autônomo e verdadeira estima. Adaptando-o organicamente à vida comum monástica, S. Bento não só dotou sua obra de um elemento perdurável, mas beneficiou todo o ocidente com uma escola de fomento cultural mais intenso. O primeiro guia importante para o trabalho dos monges já havia sido composto por Agostinho, o grande mestre do mundo latino, na obra intitulada “De opere monachorunm”. Esse porém não foi além da doutrina. S. Bento foi quem a fez passar de teoria à prática, adaptando-a concretamente aos mosteiros ocidentais, pois a obra de Agostinho lhe era conhecida e foi por ele utilizada. Quanto ao modo, âmbito e tempo, tornou-se o opus secundarium uma das obrigações monásticas, um serviço igualmente divino, ao lado do Ofício Divino. “Ora et labora” exprime, em forma de provérbio, a ideia que S. Bento tinha do estado monástico.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 284
  • 35º Dia – Terça-feira da 5a Semana da Quaresma

    35º Dia – Terça-feira da 5a Semana da Quaresma


    Que o oratório seja o que o nome indica, nem se faça ou se guarde ali coisa alguma que lhe seja alheio. Terminado o Ofício Divino, saiam todos com sumo silêncio e tenha-se reverência para com Deus; de modo que se acaso um irmão quiser rezar em particular, não seja impedido pela imoderação de outro. Se também outro, porventura, quiser rezar em silêncio, entre simplesmente e ore, não com voz clamorosa, mas com lágrimas e pureza de coração. Quem não procede desta maneira, não tenha, pois, permissão de, terminado o Ofício Divino, permanecer no oratório, como foi dito, para que outro não venha a ser perturbado.”

    S. Bento referiu-se repetidas vezes, ao lugar solene, centro de toda a vida do mosteiro, antes que lhe dedicasse um capítulo especial. A frase com que inicia sua exposição leva, na forma vantagem sobre a usada por Sto. Agostinho, exprimindo a mesma ideia. O oratório deve ser o que seu nome indica: casa de oração. Nada se realize aí que não seja o ato solene da Liturgia das Horas e a oração particular de cada um. Não se deve também colocar ou guardar alguma coisa que não seja indispensável à oração. Nos mosteiros de S. Pacômio, enquanto se rezava, fazia-se o trabalho manual, entrançavam-se cestas, esteiras ou outros objetos. Cesário ainda recomendava às reclusas um trabalho manual leve a fim de que não adormecesse durante as leituras das vigílias. Assim, muitas vezes oratório e oficina eram um e o mesmo lugar, em que se guardavam material e instrumentos necessários para o trabalho. S. Bento, porém, quer que o oratório seja um lugar consagrado exclusivamente à oração. É do oratório que todo o mosteiro tira a denominação de casa de Deus. Terminado o solene Ofício divino, todos se retiram em profundo silêncio. Antes de tudo, o oratório é um recinto comum em que a família monástica, consagrada a Deus, realiza o culto da oração, concretizando seu sentido e sua essência. Terminado o Ofício Divino, começa o silêncio. No oratório não é permitido fazer-se ouvir outro som que não seja o da oração. O temor reverencial pela presença de Deus enche o espaço. Provavelmente esta demonstração de respeito, ao sair do oratório, manifestava-se por uma inclinação do corpo, genuflexão ou prostração. Já que cada um dos monges tem plena participação no ato comunitário da Liturgia das Horas e, impressionado pelo Ofício Divino, sente a alma comovida, pode permanecer ainda no oratório entregue à oração interior do próprio coração (conforme a sua índole pessoal). Em tal ocasião ninguém deve perturbá-lo com modos impróprios. Por este motivo, todos se retirem em silêncio. Assim, também, se alguém a outra hora quiser orar em silêncio, só e em separado, entre simplesmente no oratório e se dê à oração. Por mais que a oração particular corresponda à índole pessoal de cada um, deve, todavia, ser discreta e apoiada na objetividade do ofício litúrgico. Não deve ser feita em voz alta, com sentimentalismo, mas permaneça oculta, interior, nas aspirações do coração, e na abundância das lágrimas. A verdadeira oração não consiste em palavras, pronunciadas pelos lábios, mas no pensamento que está no coração. S. Bento, portanto, faz as maiores exigências, quando se trata da prece que o monge pronuncia no coração. Tanto o fato dessa dependência da liturgia era de grande valor educativo para a prática da piedade quanto era acentuação do silêncio exterior e um recolhimento interior muito grande. Deste modo a oração particular era por um lado, um corolário da oração comunitária e recebia desta última um cunho objetivo; por outro, um treino para a penetração subjetiva da Liturgia das Horas. A última frase do capítulo mostra quanto, no entender de S. Bento, a oração particular depende da liturgia. Ninguém deve encontrar obstáculo na oração, pois ela significa uma elevação para maior união com Deus. A oração particular, que se faz no coração, como preparação e consequência do solene Ofício divino, e no próprio Ofício divino realizam-se no oratório. É o lugar sagrado, a fonte e o centro da ação produzida pelo Espírito Santo e que transforma todo o mosteiro em casa de Deus.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 305-307
  • 34º Dia – Segunda-feira da 5a Semana da Quaresma

    34º Dia – Segunda-feira da 5a Semana da Quaresma


    Os irmãos que se encontram em um trabalho tão distante que não podem acorrer na devida hora ao oratório, e tendo o Abade ponderado que assim é, celebrem o Ofício Divino ali mesmo onde trabalham, dobrando os joelhos, com temor divino. Da mesma forma, os que são mandados em viagem não deixem passar as horas estabelecidas, mas celebrem-nas consigo mesmos, como podem e não negligenciem cumprir com o encargo de sua servidão.”

    A existência humana está subordinada ao tempo e ao espaço, duas medidas cósmicas, primitivas. O tempo é a medida fluente, variável e variante. O espaço, tanto para o indivíduo como para a comunidade, representa o lugar, a medida estável e imutável. O homem moderno está totalmente sob o signo da medida fluente do tempo. Mas os modernos meios de transporte e os múltiplos acontecimentos e experiências de cada dia quase eliminam a presença do tempo. As mudanças bruscas e as sensações das impressões arrastam o homem. S. Bento ainda se mantém inteiramente no equilíbrio cósmico das coisas. Considera o tempo como criado por Deus para ser a medida das três fases pelas quais o homem mortal chega à perfeição: nascimento, idade madura, morte. Daí seu dever de passar por elas, observando-as. Ao lado da disposição do tempo para as horas canônicas, disposição sagrada, muito antiga e tradicional, S. Bento estabeleceu também um horário para o trabalho corporal e espiritual, obedecendo perfeitamente ao curso do sol em seu ritmo anual. Está, pois, como vimos, de acordo com a natureza, em harmonia com os períodos sacrais do tempo. Enquanto o homem vive sujeito às leis cósmicas da natureza, o elemento natural mais importante para sua vida é o lugar onde se desenrola sua existência. Atualmente o espaço foi ultrapassado pelo tempo. Quanto mais isso acontece, tanto mais a vida humana fica sujeita à inconstância e somente graças ao sistema de horas e minutos, obtido por processo técnico, alcança artificialmente uma certa estabilidade. À vida perdeu o ajustamento estável ao lugar. O estado de dependência do lugar ainda conservou em S. Bento toda sua importância. Na antiguidade, e também na idade média, a vida dava a sensação de equilíbrio por estar o tempo em harmonia com o lugar correspondente. Quando não havia esta correspondência, surgia uma irregularidade que precisava ser normalizada.

    A comunidade monástica de S. Bento, em sua existência e aperfeiçoamento interno e externo, está sujeita à ordem de tempo e de lugar. Havendo qualquer irregularidade nessa dupla relação, devem-se tomar medidas para que a comunidade não seja prejudicada em sua estabilidade.

    O lugar estabelecido para o Opus Dei é o Oratório. Mas se os irmãos trabalham tão afastados que não possam aí estar à hora conveniente, devem recitar o Ofício Divino onde trabalham; o lugar onde realizam seu trabalho manual torna-se o lugar do Ofício Divino. É de notar que S. Bento não diz “longe do mosteiro”, mas longe do oratório”, pondo em contraste oratório e campo de trabalho. Esta exceção tem como condição necessária o julgamento e a determinação do abade, cabeça da comunidade. Não pode ficar ao critério dos irmãos voltar ou não ao oratório, à hora do Ofício divino. Talvez alguns chegassem a tempo, outros não. O abade deve, pois, decidir antes de saírem, porque por sua ordem as Horas canônicas recitadas no campo ficam unidas às Horas canônicas cantadas pela comunidade no oratório. Nem se omite nem se transfere a Oração, mas recita-se, à “hora apropriada”, no lugar do trabalho. A Liturgia das Horas não pode ser reduzida por causa do trabalho. O campo torna-se Oratório; é consagrado para isso pela própria oração e pelos sentimentos que esta produz na alma. “Com tremor diante de Deus devem eles curvar os joelhos”. Expressão pouco usada! “Com temor divino” exprime tanto o temor subjetivo diante da majestade divina, como o sentimento objetivo de respeito e amor a Deus, infundido pelo Espírito Santo. S. Bento exige, durante a recitação da Liturgia das Horas, a mais profunda devoção, o que também se manifesta por meio da genuflexão. Não se requer, porém, que a Hora toda seja rezada de joelhos, o que seria contrário a todos os costumes da Igreja antiga e, além disso, um agravamento extraordinário para a oração feita no campo. Trata-se, antes, da genuflexão que antigamente precedia qualquer Ofício divino. Na Quaresma, em vez da genuflexão, fazia-se a prostração que consistia em lançar-se ao chão completamente. S. Bento também talvez se refira ao convite que se seguia à Hora canônica, o “dobremos os joelhos” no fim do Ofício Divino. Durante o trabalho diurno tratava-se apenas das Horas menores: Terça, Sexta e Nona, as quais certamente eram recitadas de pé e de cor, no tempo correspondente. Faltando a santidade própria do oratório e por causa das condições externas, sendo fácil a distração, devia-se insistir ainda mais no recolhimento interior e na piedade. A atitude exterior ajuda a aumentar a concentração interior. O sagrado trabalho manual e o santo serviço diante de Deus, os tempos sagrados e o lugar santificado por uma oração particularmente piedosa, unem-se apesar das circunstâncias anormais, formando uma perfeita unidade.

    A situação do monge em viagem é semelhante à do que trabalha no campo; ambos se acham longe do lugar santo e da comunidade dos irmãos. O monge em viagem sente muito mais o afastamento do centro de sua vida religiosa e está mais exposto aos imprevistos do que quando trabalha fora dos muros monásticos. Viaja só ou com um companheiro e nessas condições não é possível qualquer espécie de solenidade, o que ainda se consegue com um grupo de trabalhadores no campo. Por esta razão diz S. Bento: “Como puderem, recitem em particular o Ofício”. O monge em viagem está exposto a tantas surpresas que facilmente podem escapar-lhe as horas sagradas. Deve ser cuidadoso e não negligenciar a obrigação que lhe é imposta. O encargo da servidão é a tarefa que lhe é indicada no serviço do supremo Senhor, é o dever de honra de toda a família monástica; cada membro da família toma parte nele. O monge, separado da comunidade, coloca-se, em espírito, no lugar que lhe compete, à hora apropriada ou hora marcada, através da dupla relação que tem para com Deus e para com a comunidade. Em meio ao mundo estranho, o monge se une à comunidade pelo Ofício Divino, às horas sagradas.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 300-303
  • 33º Dia – 5º Domingo da Quaresma

    33º Dia – 5º Domingo da Quaresma


    Esteja ao cuidado do Abade o dever de anunciar a hora do Ofício Divino, de dia e de noite; ele próprio dê o sinal ou então encarregue desse cuidado a um irmão de tal modo solícito, que todas as coisas se realizem nas horas competentes. Entoem os salmos e antífonas, depois do Abade, na respectiva ordem, aqueles aos quais for ordenado. Não presuma cantar ou ler, a não ser quem pode desempenhar esse ofício de modo que se edifiquem os ouvintes; e seja feito com humildade, gravidade e tremor por quem o Abade tiver mandado.”

    Somente sejam indicados os que podem executar suas obrigações edificando os ouvintes. Esta edificação tem dois aspectos: à edificação interior, da alma, e o enriquecimento divino, a graça do Espírito Santo, contida no sentido literal dos cantos e leitura sagrada. Além disso há também a elevação igualmente espiritual que se transmite aos ouvintes, partindo da festividade externa, do canto, do rito, da alma que transpira da voz, da reprodução da letra, feita com profundo sentimento pelos cantores. S. Bento compreendeu profundamente o belo, o “esplendor da ordem”. Mas a edificação que ele espera do cantor, não depende absolutamente de impressões estéticas. A última sentença demonstra como esta edificação pressupõe valores puramente religiosos: o canto deve ser executado com humildade, dignidade e emoção espiritual. O primeiro requisito é a humildade, o desapego de si mesmo e a entrega piedosa a Deus. Daí resulta uma seriedade digna, madureza de alma e finalmente, como a mais sublime graça pneumática, a emoção interior provocada pela santidade de Deus como acontece com os próprios anjos.

    Os antigos gregos atribuíam à ira e à inveja dos deuses o sentimento do homem primitivo diante dos poderes sobre-humanos, demoníacos e divinos. Os deuses deviam ser reconciliados pela expiação; sua ira tinha de ser afastada através do culto. Mas com o cristianismo, este temor transformou-se em respeito pela grandeza de Deus e uniu-se ao amor. O tremendum da religião tornou-se temor de Deus, um dos dons do Espírito Santo. Mas, se no texto e no canto este temor conseguir a expressão denominada por S. Bento de tremor, o entusiasmo carismático do cantor transforma-se, ao mesmo tempo, em emoção da comunidade que ouve. O tremor é semelhante à oração das lágrimas, é uma comoção muito profunda diante da Majestade do Senhor que nada tem, porém de apavorante, mas produz um efeito beatificante. “A nenhum elemento da Religião é tão necessário quanto a este a viva voz, a comunidade que permanece viva e o contato das pessoas”.

    Em presença da riqueza de sentimentos provocada pela visão interior da grandeza de Deus, faltam as palavras. O tremor representa um estado de consciência religiosa que transpõe os limites da capacidade humana de expressão. Como raras vezes o faz, S. Bento expõe aqui de que atitude religiosa deve nascer a celebração da Liturgia das Horas capaz de edificar os assistentes. Percebe-se claramente uma progressão dos princípios responsáveis pela edificação. A atitude fundamental é à humildade enquanto é desprendimento de si mesmo ao executar o Ofício divino. À humildade traz como consequência um ar festivo, repassado de dignidade, consciente de representar a Igreja diante de seu Esposo. A esta devoção e consagração da Liturgia das Horas infunde o Espírito Santo o tremor, uma espécie de comoção que invade todo o ser diante da sublimidade ilimitada de Deus. Assim, a edificação dos ouvintes dá uma ideia da vida em união com Deus, na qual os monges cantam e lêem. Os cantores, leitores e ouvintes formam uma comunidade unida no Espírito Santo. S. Bento insinua aqui seu ideal da solenidade do Ofício Divino que tira da união com Deus pela graça sua dignidade exterior.

    Este pequeno capítulo, desde o sinal para as horas canônicas até o entusiasmo produzido pelo Espírito Santo, proporciona também uma visão profunda do conceito pneumático que S. Bento tinha da vida monástica. Esta emoção que é um efeito da Liturgia das Horas, transforma-o .tanto em digna glorificação de Deus, como em uma fonte de santificação.

    Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 282-283