“Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o Cristo, pois Ele próprio irá dizer: “Fui hóspede e me recebestes”. E se dispense a todos a devida honra, principalmente aos irmãos na fé e aos peregrinos. Logo que um hóspede for anunciado, corra-lhe ao encontro o superior ou os irmãos, com toda a solicitude da caridade; primeiro, rezem em comum e assim se associem na paz. Não seja oferecido esse ósculo da paz sem que, antes, tenha havido a oração, por causa das ilusões diabólicas. Nessa mesma saudação mostre-se toda a humildade. Em todos os hóspedes que chegam e que saem, adore-se, com a cabeça inclinada ou com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é recebido na pessoa deles.”
RSB, Cap. 53, 1-7
Em todos os tempos os lugares santos atraíram os homens. Esta atração deu origem às peregrinações e romarias. À fama dos santos eremitas, que moravam no deserto, atraiu para lá ora algumas pessoas, ora grandes grupos que procuravam dos homens de Deus doutrina e conselhos. O desejo de ouvir a palavra de homens possuidores do Espírito continuou vivo no monaquismo, mesmo em época posterior. Desde que os fiéis já não podiam dirigir-se a um determinado varão espiritual, mas tinham de procurar comunidades inteiras, reunidas em um cenóbio, as formas de peregrinação necessariamente tinham de mudar. Uma das notas mais características da fundação de Monte Cassino é o fato de, desde seus primórdios, tornar-se centro e meta para peregrinos vindos de longe e de perto. Os Diálogos de S. Gregório dão-nos disso uma ideia rica de colorido. Neste sentido Monte Cassino aceitou também a tradição dos antigos monges. Sabia-se perfeitamente que, com o hóspede, entrava no mosteiro uma parcela do mundo. Precisamente o trato dos hóspedes exigia ser disposto de tal modo que nem o visitante se sentisse mal acomodado, nem a observância dos irmãos fosse perturbada. Estas exigências estariam satisfeitas se o hóspede participasse do ambiente espiritual do mosteiro, Isso se realiza através do fundamento cristão comum, sobre o qual S. Bento baseia a hospitalidade elevando-a acima de considerações puramente humanas e terrenas. “Todos os hóspedes que chegarem devem ser recebidos como Cristo, pois Ele dirá um dia: “fui hóspede e recebestes-me””, Entre os romanos à hospitalidade profana baseava-se em direito sacral. A princípio tanto a hospitalidade oferecida por comunidades quanto a praticada por indivíduos firmava-se em um contrato: O hóspede torna-se participante da vida familiar, prende-se por laços religiosos ao dono da casa que o protege e o ajuda em assuntos jurídicos. É, pois, com razão que Santo Ambrósio fala de “direitos de relacionamento hospitalar; o direito inviolável de hospitalidade”. A palavra do Evangelho dá à hospitalidade um caráter sagrado, tornando-a também, no sentido cristão, um ato religioso. Na pessoa do hóspede, o monge vê Cristo; em uns Ele aparece na forma de senhor nobre e rico, em outros como simples peregrino ou pobre mendigo. E se Cristo é visto em todos, a cada um deles se deve tributar a honra que lhe compete. Um só Cristo é venerado, mas deve ser distinguido com a honra correspondente à forma em que se apresenta. Se. quiséssemos prestar honras principescas a um mendigo este se julgaria escarnecido. S. Bento nunca se esquece da justa medida da ordem.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 307-308
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