Devocionário

Ora et Labora

35º Dia – Terça-feira da 5a Semana da Quaresma


Que o oratório seja o que o nome indica, nem se faça ou se guarde ali coisa alguma que lhe seja alheio. Terminado o Ofício Divino, saiam todos com sumo silêncio e tenha-se reverência para com Deus; de modo que se acaso um irmão quiser rezar em particular, não seja impedido pela imoderação de outro. Se também outro, porventura, quiser rezar em silêncio, entre simplesmente e ore, não com voz clamorosa, mas com lágrimas e pureza de coração. Quem não procede desta maneira, não tenha, pois, permissão de, terminado o Ofício Divino, permanecer no oratório, como foi dito, para que outro não venha a ser perturbado.”

S. Bento referiu-se repetidas vezes, ao lugar solene, centro de toda a vida do mosteiro, antes que lhe dedicasse um capítulo especial. A frase com que inicia sua exposição leva, na forma vantagem sobre a usada por Sto. Agostinho, exprimindo a mesma ideia. O oratório deve ser o que seu nome indica: casa de oração. Nada se realize aí que não seja o ato solene da Liturgia das Horas e a oração particular de cada um. Não se deve também colocar ou guardar alguma coisa que não seja indispensável à oração. Nos mosteiros de S. Pacômio, enquanto se rezava, fazia-se o trabalho manual, entrançavam-se cestas, esteiras ou outros objetos. Cesário ainda recomendava às reclusas um trabalho manual leve a fim de que não adormecesse durante as leituras das vigílias. Assim, muitas vezes oratório e oficina eram um e o mesmo lugar, em que se guardavam material e instrumentos necessários para o trabalho. S. Bento, porém, quer que o oratório seja um lugar consagrado exclusivamente à oração. É do oratório que todo o mosteiro tira a denominação de casa de Deus. Terminado o solene Ofício divino, todos se retiram em profundo silêncio. Antes de tudo, o oratório é um recinto comum em que a família monástica, consagrada a Deus, realiza o culto da oração, concretizando seu sentido e sua essência. Terminado o Ofício Divino, começa o silêncio. No oratório não é permitido fazer-se ouvir outro som que não seja o da oração. O temor reverencial pela presença de Deus enche o espaço. Provavelmente esta demonstração de respeito, ao sair do oratório, manifestava-se por uma inclinação do corpo, genuflexão ou prostração. Já que cada um dos monges tem plena participação no ato comunitário da Liturgia das Horas e, impressionado pelo Ofício Divino, sente a alma comovida, pode permanecer ainda no oratório entregue à oração interior do próprio coração (conforme a sua índole pessoal). Em tal ocasião ninguém deve perturbá-lo com modos impróprios. Por este motivo, todos se retirem em silêncio. Assim, também, se alguém a outra hora quiser orar em silêncio, só e em separado, entre simplesmente no oratório e se dê à oração. Por mais que a oração particular corresponda à índole pessoal de cada um, deve, todavia, ser discreta e apoiada na objetividade do ofício litúrgico. Não deve ser feita em voz alta, com sentimentalismo, mas permaneça oculta, interior, nas aspirações do coração, e na abundância das lágrimas. A verdadeira oração não consiste em palavras, pronunciadas pelos lábios, mas no pensamento que está no coração. S. Bento, portanto, faz as maiores exigências, quando se trata da prece que o monge pronuncia no coração. Tanto o fato dessa dependência da liturgia era de grande valor educativo para a prática da piedade quanto era acentuação do silêncio exterior e um recolhimento interior muito grande. Deste modo a oração particular era por um lado, um corolário da oração comunitária e recebia desta última um cunho objetivo; por outro, um treino para a penetração subjetiva da Liturgia das Horas. A última frase do capítulo mostra quanto, no entender de S. Bento, a oração particular depende da liturgia. Ninguém deve encontrar obstáculo na oração, pois ela significa uma elevação para maior união com Deus. A oração particular, que se faz no coração, como preparação e consequência do solene Ofício divino, e no próprio Ofício divino realizam-se no oratório. É o lugar sagrado, a fonte e o centro da ação produzida pelo Espírito Santo e que transforma todo o mosteiro em casa de Deus.

Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 305-307

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