“Assim como há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno, assim também há o zelo bom, que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. Exerçam, portanto, os monges este zelo com amor ferventíssimo isto é, antecipem-se uns aos outros em honra. Tolerem pacientissimamente suas fraquezas, quer do corpo quer do caráter; rivalizem em prestar mútua obediência; ninguém procure aquilo que julga útil para si, mas, principalmente, o que o é para o outro; ponham em ação castamente a caridade fraterna; temam a Deus com amor; amem o seu Abade com sincera e humilde caridade; nada absolutamente anteponham a Cristo – que nos conduza juntos para a vida eterna.”
RSB, Cap. 72
“Assim como há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno, assim também há um bom zelo que separa do pecado e conduz a Deus e à vida eterna”. Essa introdução do tema lembra logo o pensamento escatológico, fundamental, com que termina também este pequeno tratado. O Santo, numa visão de conjunto, considera o tempo de vida: concedido a cada um, e o vê ocupado em uma zelosa obra para Deus. Nos capítulos 69 e 70, S. Bento define e condena o mau zelo. O bom zelo porém, deve ser praticado pelos monges, com ardentíssimo amor. O zelo é sempre uma propriedade das almas ardentes; todavia, S. Bento usa o superlativo, grau pouco empregado por ele: ferventíssimo amor. Aqui não entra em conta o fervor de novato que é natural nos monges jovens. Agora, no termo de sua Regra, S. Bento fala a monges maduros que, antes necessitam de estímulo que de freio. Exerçam os monges seu zelo com ardentíssimo amor a Deus. Como se deve fazer isso? O mestre responde, estabelecendo uma escala: ascendente de 8 virtudes.
“Antecipem-se, uns aos outros, com mútua atenção”. Essa admoestação, tirada de S. Paulo (Rom. 12, 10), refere-se imediatamente à comunidade e indica que, a ela se deve o zelo da caridade. Deste zelo faz parte, antes de tudo, o respeito mútuo, no que os irmãos procurem superar uns aos outros. Não há vida em comum em que uns, com as faltas de natureza corporal, moral e psicológica, não sirvam de sacrifício para os outros, Cada um tem suas fraquezas. E para não ofender pessoa alguma, é necessário não só paciência, como muita indulgência e disposição para fechar os olhos a muitas coisas. As vezes, fazem os irmãos passarem por dura prova, as fraquezas que mal são notadas por quem as possui, como sejam: velhice, saúde frágil, nervosismo, estreiteza de espírito, gosto de altercar, loquacidade e coisas semelhantes. Assim S. Bento exige muita paciência. Tem lugar aqui, também, a recomendação à obediência mútua, à qual já foi dedicada um capítulo (cap. 71). Estar disposto a ver em cada um dos irmãos o próprio superior, é certamente fruto de um zelo ardente. Neste espírito e nesta prática da obediência, deve existir verdadeira porfia entre os irmãos. Disso resulta, naturalmente, que ninguém procura o que lhe é útil, mas, cada um, aquilo que reconhece ser vantajoso para o próximo. O ensinamento de S. Paulo, dirigido aos primeiros cristãos (1 Cor. 10, 24. 33), quando realizado, é o sinal certo da verdadeira comunidade. Recapitulando quanto foi dito, o mestre e pai espera que, na caridade fraterna, pura, os irmãos mostrem seu amor fraterno. Cada uma das três expressões reveste e exprime uma realidade diferente: caritas amor e caste, Caritas é o amor que, sendo dádiva de Deus, infunde (nos irmãos) o zelo sobrenatural por cada um e por todos na comunidade. É o Espírito Santo operando nas almas, o amor essencialmente divino. Amor é o amor humano, natural. Este convém e precisa estar presente e manifestar-se em atos, a não ser que o amor sobrenatural deva permanecer uma ideia, uma abstração teórica. Os homens não podem manifestar, uns aos outros, o seu amor, senão de maneira humana. A caridade, pois, há de assumir, também, a forma humana da obsequiosidade, da cortesia, do respeito, suportar com paciência e prestar favores com amabilidade, segundo ficou declarado nas instruções do capítulo anterior, Mas êsse “eros”, na sua feição humana tem de ser purificado, enobrecido, transfigurado e santificado pela caridade. S. Bento não tolera o sentimentalismo mórbido. Castitas é a renúncia a toda espécie de egoísmo no amor, que se manifesta sob a forma de veneração, favor e sacrifício. Sem esta virtude, a caridade fraterna seria também egoísmo natural e estaria despojada do seu mais nobre valor. Mas, a caridade utiliza-se de bom grado, do amor humano, nobre, para exprimir sua incomparável elevação. Daí revestir a verdadeira caridade tantas formas de amor, como sejam o respeito, a cortesia, à consideração, a atenção, até o ósculo da paz na liturgia. Onde há caridade e amor, Deus lá está. Os dois dons mais nobres da alma, um infundido pela graça divina, o outro pertencente à natureza humana, e dos quais o coração humano é capaz, devem unir-se em um só amor para a felicidade mútua na comunidade.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 403-405
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