Devocionário

Ora et Labora

28º Dia – Terça-feira da 4ª Semana da Quaresma


Tendo, por conseguinte, subido todos esses degraus da humildade, o monge atingirá logo, aquela caridade de Deus, que, quando perfeita, afasta o temor; por meio dela tudo o que observava antes não sem medo começará a realizar sem nenhum labor, como que naturalmente, pelo costume, não mais por temor do inferno, mas por amor de Cristo, pelo próprio costume bom e pela deleitação das virtudes. Eis o que, no seu operário, já purificado dos vícios e pecados, se dignará o Senhor manifestar por meio do Espírito Santo.”

A “parusia” é apenas um objeto daquele temor que aspira ao amor libertador de Deus. Nessa direção positiva aponta o epílogo, levando ao apogeu, toda a doutrina de S. Bento sobre a humildade. “Tendo pois subido todos esses graus da humildade, o monge chegará imediatamente àquele amor de Deus, que, sendo perfeito, lança fora o temor (1 Jo. 4, 18), de modo que, graças a ele, tudo quanto antes não fazia senão com temor, começa a observar sem trabalho, como naturalmente, por hábito e não por medo do inferno, mas por amor a Cristo, por bom costume e satisfação na virtude”. O temor do juízo e do inferno se transforma no amor a Cristo e na satisfação da virtude. Assim já se atribui a Sto. Antão, primeiro Padre do deserto, a bela sentença: “Já não temo a Deus, mas amo-O; o amor lança fora o temor”. Com isso conseguiu-se agora o último passo para a liberdade interior, desfez-se o derradeiro laço do próprio eu, realizou-se a completa entrega de si mesmo na caridade. Está vencida a timidez que no iniciante impedia o sacrifício de si mesmo. O devotamento total à causa de Deus tornou-se para o monge uma segunda natureza. A virtude com suas exigências já não lhe é um fardo penoso que só aceita forçado pelo medo do juízo e do castigo; tem agora o sentido da alegria e felicidade, porque é o amor que o arrasta. Como no trecho final do prólogo à Regra, também aqui revela S. Bento, de novo, a meta totalmente positiva do perfeito amor de Deus. O princípio do temor de Deus, a obediência, a humildade interior do coração e à humilde atitude exterior, são todas preparações e pressupostos necessários para conduzir ao sublime escopo do amor. O «pneumatikós» aquele que está repleto do espírito de Deus, manifestará nas palavras e nas obras, a perfeição de sua união com Deus; é ele o verdadeiro “sapiens”, o «perfeito»,

Em termos de ritmo entusiástico dá o epílogo à doutrina sobre à humildade um fecho trinitário: o monge é conduzido ao amor de Deus através do amor de Cristo; por meio do Espírito Santo manifestará o Senhor isso na vida do monge, rica de virtudes e purificada de todo o mal. Quanto mais pura se tornar a alma, tanto mais capaz será de receber em si o Espírito Santo e de ser portadora do sobrenatural, do “Pneuma”. O caminho para o monge chegar a Deus consiste, pois, não somente no aperfeiçoamento moral, mas também na perfeição ontológica, no amor de Deus Pai por meio do amor de Cristo, o Filho, na graça do Espírito Santo. Assim toda a família monástica, em todo o seu ser e agir entra em contato com a vida divina interna da Santíssima Trindade, união do nosso ser com o Pai no amor de Deus; do nosso agir com o Filho feito homem no amor de Cristo; mas tudo se opera e manifesta em nós por meio da virtude do Espírito Santo.

Os graus da humildade citados, não significam fases de progresso da vida interior, separadas quanto ao tempo e a serem percorridas uma depois da outra. É uma divisão teórica, por motivos metódicos e pedagógicos, e não pretende retratar a vida em sua manifestação concreta. Na vida prática, os graus constituem uma grande unidade, a humildade. Ela se manifesta como um todo, mas, para alcançar uma atitude espiritual completa e equilibrada, tanto interior como exterior, requer ora aqui ora ali, intervenção mais enérgica.

Esta visão ampla com que S. Bento encerra sua doutrina moral, como provam numerosas passagens dos salmos, é fruto de sua oração na Liturgia das Horas e de seu recolhimento na meditação. Por isso reproduz, em tudo, a antiquíssima doutrina dos patriarcas dos monges com a frescura de uma atualidade vivida.

O monge, purificado de pecados e faltas, repleto do perfeito amor de Deus, aparece no final do capítulo sétimo, como o portador do Espírito Santo, considerado apto a realizar o mais sublime múnus de vida “angélica”, a Liturgia das Horas.

Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 141-145

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