Devocionário

Ora et Labora

27º Dia – Segunda-feira da 4ª Semana da Quaresma


O duodécimo grau da humildade consiste em que não só no coração tenha o monge a humildade, mas a deixe transparecer sempre, no próprio corpo, aos que o vêem, isto é, que no ofício divino, no oratório, no mosteiro, na horta, quando em caminho, no campo ou onde quer que esteja, sentado, andando ou em pé, tenha sempre a cabeça inclinada, os olhos fixos no chão, considerando-se a cada momento culpado de seus pecados, tenha-se já como presente diante do tremendo juízo de Deus, dizendo-se a si mesmo, no coração, aquilo que aquele publicano do Evangelho disse, com os olhos pregados no chão: “Senhor, não sou digno, eu pecador, de levantar os olhos aos céus”. E ainda, com o Profeta: “Estou completamente curvado e humilhado”.

A “sabedoria” que acabamos de considerar como sendo o fecho de uma linha ascendente, junta S. Bento ainda um duodécimo grau, mas com esse faz, apenas aparecer exteriormente o resultado final e o efeito total da verdadeira humildade do coração. O sentimento humilde não permanecerá recôndito no coração. Forçosamente transparecerá na atitude exterior. S. Bento esclarece isso detalhadamente segundo o seu costume de ilustrar tudo com casos concretos. “O monge não deve trazer a humildade só no coração, mas há de fazê-la conhecida por sua atitude exterior, a saber: estando no Ofício divino, no oratório, no mosteiro, no jardim, em viagem, no campo e em qualquer lugar, sentado, andando ou em pé, deve ter sempre a cabeça baixa, os olhos voltados para o chão”. O que convêm durante a celebração da Liturgia das Horas ou quando se reza fora do coro, no santuário da basílica ou além de suas portas, nos aposentos do mosteiro ou em seus jardins, convém também fora do recinto monástico, nas vias públicas e no campo durante o trabalho e em quaisquer possíveis circunstâncias da vida. Para o monge a oração e o trabalho, a religião e a cultura devem, pois, estar dominados por uma contínua união com Deus, na humildade. Muito além da vida interior, muito além de tudo que se relacione com a alma e com o espírito, a presença divina deve ser levada a todos os recantos em que o monge exerce suas atividades, desde o Altar (Liturgia) até ao campo, última periferia de seus trabalhos. “A inclinação do corpo é o reflexo vivo da humildade do coração. Todo homem, de fato, reflete em sua atitude exterior o estado da alma, mormente em suas relações com Deus. Ao se ajoelhar na igreja, ao juntar as mãos, em pé ou andando, seu corpo e seus gestos são sempre um espelho da alma. Todo o simbolismo dos atos litúrgicos da Igreja está sob o signo desta harmonia do corpo e da alma, à procura de uma expressão”. Parece exigência estranha em S. Bento, querer ele que o monge a cada instante “se reconheça culpado em virtude de seus pecados, e já se julgue diante do tremendo juízo, repetindo sempre em seu coração, o que o publicano do Evangelho, com os olhos pregados no chão, dizia: “Senhor, eu não sou digno de levantar os olhos para o céu” (Lc. 18, 13) e, com o profeta: “Encurvado e humilhado estou sempre” (Sl 37, 9).

Devemos considerar aqui dois pontos de vista. O primeiro é que a atitude do publicano descrita pelo Senhor no Evangelho é o oposto da do fariseu que rezava no mesmo templo. O monge, apesar do bem que reconheça em si, por sua vida e aspirações, jamais deve ter os ares do fariseu, mas imitar os do publicano reconhecendo a própria indignidade. O segundo ponto a ser considerado é que S. Bento transmite, aqui, a seus discípulos, a mesma doutrina dos antigos monges. Assim, entre os monges do deserto, as palavras do publicano eram uma espécie de senha. De fato, nos “Apoftegmas”, o abade Amona diz: “Senta-te na cela e come diariamente um pouco, tendo continuamente no coração as palavras do publicano, e poderás ser salvo”. O monge deve manter os olhos voltados para o chão com o fim de se conservar concentrado interiormente. “Quando Silvano era forçado a sair de sua cela, cobria a face com a cogula, dizendo: “Para que quero eu ver esta luz que pertence só a este tempo e não tem nenhuma utilidade”! Este mesmo monge cobria os olhos para que seu espírito não fosse desviado de seu trabalho (espiritual). O recolhimento interior assim como também a consciência da própria culpa tem, na Regra, um sentido escatológico e sabor do cristianismo dos primeiros tempos. “O monge já se julga colocado diante do tremendo juízo de Deus”. Nos “Apoftegmas” se diz: “A cada hora o homem tem de se imaginar colocado perante o tremendo juízo de Deus”, tem de conservar em si, sempre vivo, o temor do juízo. De modo comovente manifestou-se este temor de Deus pela boca de Arsênio moribundo: “Em verdade, o temor que tenho nesta hora está em mim desde o tempo em que me tornei monge”.

Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 140-142

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