“O quarto grau da humildade consiste em que, no exercício dessa mesma obediência abrace o monge a paciência, de ânimo sereno, nas coisas duras e adversas, ainda mesmo que se lhe tenham dirigido injúrias, e, suportando tudo, não se entregue nem se vá embora, pois diz a Escritura: “Aquele que perseverar até o fim será salvo”. E também: “Que se revigore o teu coração e suporta o Senhor”. E a fim de mostrar que o que é fiel deve suportar todas as coisas, mesmo as adversas, pelo Senhor, diz a Escritura, na pessoa dos que sofrem: “Por vós, somos entregues todos os dias à morte; somos considerados como ovelhas a serem sacrificadas”. Seguros na esperança da retribuição divina, prosseguem alegres dizendo: “Mas superamos tudo por causa daquele que nos amou”. Também, em outro lugar, diz a Escritura: “Ó Deus, provastes-nos, experimentastes-nos no fogo, como no fogo é provada a prata: induzistes-nos a cair no laço, impusestes tribulações sobre os nossos ombros”. E para mostrar que devemos estar submetidos a um superior, continua: “Impusestes homens sobre nossas cabeças”. Cumprindo, além disso, com paciência o preceito do Senhor nas adversidades e injúrias, se lhes batem numa face, oferecem a outra; a quem lhes toma a túnica cedem também o manto; obrigados a uma milha, andam duas; suportam, como Paulo Apóstolo, os falsos irmãos e abençoam aqueles que os amaldiçoam.”.
RSB, Cap. 7, 35-42
E Continuando nesse caminho da humilhação de si mesmo, no quarto grau da humildade exige S. Bento “que obedecendo nas coisas duras e contrárias, mesmo sofrendo injustiças, o monge guarde silêncio, abrace em seu íntimo, a paciência, e perseverando não esmoreça ou retroceda, pois a Sagrada Escritura diz: “Quem perseverar até o fim, será salvo” (Mt. 10, 22). E de novo: “Fortalece teu coração e espera no Senhor” (S. 26, 14).
Desde o segundo grau da humildade, continuando com o terceiro e quarto, S. Bento tem se voltado para a obediência. No capítulo 5, a obediência é apresentada como sendo o primeiro grau de toda humildade e o fundamento da atitude própria da vida monástica. De modo diverso considera ele aqui o valor moral da obediência para cada monge em particular. Trata-se da submissão interior às pessoas e às condições que dão o cunho próprio à vida da comunidade em que fomos colocados. É aí que se nos deparam a vontade e a providência divina. Não as podemos nem queremos mudar, antes submetemo-nos a elas, por amor de Deus. Começando com o princípio geral do segundo grau, a saber, que viemos fazer a vontade dAquêle que nos chamou, passando depois à obrigação de nos submeter, segundo o exemplo de Cristo, aos superiores (terceiro grau), devemos estar preparados para perseverar nas coisas duras e contrárias, até mesmo ao sermos tratados injustamente (quarto grau).
Já essa maneira de enumerar contém uma gradação. “Coisas duras” são coisas em si duras e difíceis de ser executadas; “coisas adversas” são as que nos contrariam e têm em si algo de repugnante. As “injúrias” causam-nos magoante injustiça. Nestas amargas provações deve o monge abraçar a paciência, como a uma esposa, “abraçar”, guardá-la com amor e retê-la cuidadosamente. Em silêncio, deve suportar as coisas ásperas e até injustas e não pensar em condescender com o próprio coração ou fugir ao compromisso assumido. A possibilidade de tais lutas interiores, já fora ventilada no prólogo. Do mesmo modo foram de antemão anunciadas aos noviços coisas duras e ásperas, e pelas quais se vai a Deus (cap. 58). Ainda hoje também se anuncia ao noviço: “deve renunciar-se completamente a si mesmo e à sua própria vontade. Cumprirá diariamente a vontade do abade e dos demais superiores. Estes não raro ordenar-lhe-ão coisas duras e difíceis de suportar, com o fim de provar a paciência, a obediência e a humildade”. Por fim, nas solenes orações da Profissão monástica faz-se, sobre o professando, a seguinte súplica: “Ensinai-o, Senhor, a desprezar todas as alegrias da vida, a não temer as contrariedades, a não causar injustiças, mas as recebidas, suportá-las com igualdade de ânimo”. Assim, portanto, o monge deveria estar preparado para com paciência e firmeza de coração trilhar a áspera senda de que aqui se fala.
À paciência corresponde também a recompensa divina, a alegria íntima pela certeza de “que em tudo seremos vencedores, graças àquele que nos amou” (Rom. 8, 37). Porque tendo-nos provado e purificado como a prata no cadinho (Sl 65,.10), encontrou-nos sempre puros. Entretanto os superiores que nos provam, não são nem anjos nem santos, mas, ainda como representantes de Deus, não deixam de ser homens. É precisamente em seus defeitos e faltas que consiste nossa maior provação. Os superiores e os irmãos — pois, como S. Paulo, devemos suportar também os falsos irmãos — podem ser pelos seus atos e críticas, uma prova de fogo para nós. Não obstante isso, está escrito: “O Senhor nos sustenta”, não são os superiores nem os irmãos que temos de suportar, mas o Senhor. Assim sendo deve o monge, nas adversidades e injustiças, armar-se daquela paciência que o Evangelho exige para cada cristão: “Batidos em uma das faces, oferecem ainda a outra: aos que lhes tiram a túnica, dão também o pálio; obrigados a andar uma milha, andam duas” (Mt. 5, 39). O monge deve ter sempre em seus lábios uma bênção, mesmo para os que o desprezam. Tudo isto está de acordo com o preceito do Senhor e vale para todos os cristãos. Devemos consequentemente estar preparados para suportar ainda mais do que de nós exigem nossos opressores. Se toleramos as injustiças, não o fazemos por fraqueza de caráter, mas porque é assim que se provam o vigor de nossa fé e a intensidade de nosso amor para com Deus. Além disso não é segundo o direito dos homens que consideramos as injustiças sofridas. Elas são permitidas por Deus, distribuídas por Ele, a cada um; trata-se, pois, do direito de Deus, de seu favor, e de sua caridade. Uma tal concepção está acima de nossas luzes naturais e humanas. Somente a fé a pode aceitar. Desapegados completamente de nós mesmos estamos preparados para sofrer por amor de Deus, quanto a obediência nos impuser, como satisfazendo à vontade divina.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 132-134
Deixe um comentário