“Façamos o que diz o profeta: “Eu disse, guardarei os meus caminhos para que não peque pela língua: pus uma guarda à minha boca: emudeci, humilhei-me e calei as coisas boas”. Aqui mostra o Profeta que, se, às vezes, se devem calar mesmo as boas conversas, por causa do silêncio, quanto mais não deverão ser suprimidas as más palavras, por causa do castigo do pecado? Por isso, ainda que se trate de conversas boas, santas e próprias a edificar, raramente seja concedida aos discípulos perfeitos licença de falar, por causa da gravidade do silêncio, pois está escrito: “Falando muito não foges ao pecado”, e em outro lugar: “a morte e a vida estão em poder da língua”. Com efeito, falar e ensinar compete ao mestre; ao discípulo convém calar e ouvir.”
RSB, Cap. 6, 1-6
O sagrado silêncio é uma herança do monaquismo primitivo, provindo do silencioso deserto. S. Bento convida cada um a refletir consigo mesmo sobre a importância da palavra, enquanto essa pode influir sobre a formação de outros. “Façamos o que disse o profeta: “Eu disse: terei cuidado com os meus caminhos, para que não peque com a minha língua, porei sentinela à minha boca; calei-me, humilhei-me e silenciei até coisas boas” (Sl 38, 2 ss.). O capítulo sobre o silêncio começa, pois, com as palavras “Eu disse”. É por assim dizer a última palavra do monge ao mundo: não terei, sem motivos, relações com os homens, mas tomarei cuidado com minhas palavras. Nisso já está enunciado que, com a lei do silêncio, foi dada também a norma do falar. Guardar silêncio com os homens, dá liberdade para falar com Deus. Por isso o silêncio (taciturnidade) não é, mesmo para os monges de hoje, uma simples recordação tradicional do tempo dos anacoretas, ou um preceito da disciplina monástica, mas é uma atitude espiritual essencialmente inerente ao estado monástico. Deus fala aos que guardam silêncio. Os primeiros monges retiravam-se para onde tudo estava em silêncio, onde só Deus falava à alma e a alma a Deus. No silêncio, a visão de Deus se amplifica, a oração se aprofunda. Daí ser esse um elemento essencial no caráter pneumático do estado monástico. Tanto nele quanto na palavra inspirada pelo Espírito Santo, se encontra a mesma virtude. Certa vez, pedindo alguém ao abade Pambo uma sentença espiritual (lógion) para um determinado bispo, o abade respondeu: “Se ele não tirar nenhum lucro do meu silêncio, então também não terá nenhum proveito com minhas palavras”.
O profeta inspirado, o salmista, fornece a S. Bento o princípio geral, sobre o qual o Santo levanta seu edifício doutrinal. S. Bento se afasta, porém, essencialmente do sentido literal do salmo. O salmista fala de um homem temente a Deus, duramente provado, que se submete humildemente à providência divina. “Guardei silêncio da fortuna, para não me revoltar contra o infortúnio, que Deus me enviou”. Este é o sentido do salmo. Do contexto geral, S. Bento tira para seu fim, somente as palavras “calei as coisas boas”; explicando-as no sentido moral do bem em oposição ao mal. Este modo e interpretar a Escritura mostra quanto importa ao Santo por sua doutrina, em si muito clara, em relação com a palavra da Bíblia, assegurando-lhe autoridade e consagração sobrenatural. Com isso, S. Bento alcança também a gradação: se, às vezes, devem-se omitir as boas conversas, com mais razão as más. O complemento “por causa do castigo do pecado” é, de novo, tirado do salmo 38, cujo versículo 12 reza: “castigas os homens por causa dos seus pecados”. Sentimos como os salmos estavam vivos na alma de S. Bento. Meditando a palavra do salmo tira o Santo uma conclusão importante: “Por conseguinte, por causa da importância do silêncio, até aos discípulos perfeitos, só raramente seja dada licença para falar, mesmo tratando-se de conversas boas, santas e edificantes”. Aqui, o acento está nas palavras “discípulo perfeito”, “pois, — assim reza o texto em seguida — falar e ensinar convém ao mestre; ao discípulo, mesmo perfeito, assenta ouvir e calar”.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, pág. 115-116
Deixe um comentário