Os instrumentos das boas obras:
“Pôr em prática diariamente os preceitos de Deus.
Amar a castidade.
Não odiar a ninguém.
Não ter ciúmes.
Não exercer a inveja.
Não amar a rixa.
Fugir da vanglória.
Venerar os mais velhos.
Amar os mais moços.
Orar, no amor de Cristo, pelos inimigos.
Voltar à paz, antes do pôr-do-sol, com aqueles com quem teve desavença.
E nunca desesperar da misericórdia de Deus.
RSB, Cap. 4, 63-74
“Realizar diariamente na prática os mandamentos do Senhor”, e praticá-los com profunda sinceridade. Neste princípio geral que soa como sendo quase a primeira suposição de qualquer virtude, estão resumidas as últimas exigências, feitas ao monge perfeito:
“Amar a castidade,
não odiar a pessoa alguma,
não ter ciúme de pessoa alguma,
não alimentar a inveja,
não amar as disputas,
fugir do orgulho,
venerar os mais velhos,
amar os mais jovens,
rezar pelos inimigos por causa do amor de Cristo (Mt. 5,44),
tratando-se de desavenças fazer as pazes antes do pôr do sol (Ef. 4, 26)
e nunca desesperar da misericórdia de Deus”.
Em toda a Regra, S. Bento só escreveu sobre a castidade as palavras aqui citadas. Há uma grande distância entre o sexto mandamento: “Não cometerás adultério”, colocado logo no início deste capítulo e o lugar aqui citado, o qual não diz: viver castamente, ou praticar a castidade, mas: “amar a castidade”. Neste “instrumentum” aqui mencionado, trata-se talvez do último dos doze frutos do Espírito Santo, o qual exprime o grau supremo de espiritualidade do monaquismo cristão. Pressupõe-se, naturalmente, tudo que se refere à vida casta dos monges, o que desde seus primórdios era considerado coisa evidente. Esta nobreza e transfiguração de todo o homem, não se pode compreender senão partindo do mais sublime princípio da caridade. Por esta razão reza a sentença: “Amar a castidade”. Os frutos do Espírito Santo, que começam com a caridade, elevam-se até a castidade. Com isto, fecha-se o anel dos carismas. Assim como nos sete dons do Espírito Santo, o último, o temor de Deus, é chamado o princípio da sabedoria, assim a castidade pode ser chamada aqui o princípio da caridade, e ao mesmo tempo, sua coroa. A caridade e a castidade são uma só coisa. Assim as sentenças que ainda se seguem não fazem senão descrever a caridade perfeita, a qual nunca odeia, nunca alimenta ciúmes e em suas ações, nunca se deixa levar pela inveja. A verdadeira caridade sabe refreiar todas estas explosões das paixões. As desavenças, por motivos reais, nem sempre podem ser evitadas, pois não dependem só de uma parte; não devemos amá-las, e o ideal será evitá-las. Devemos fugir do orgulho, da exaltação do próprio eu, que mina a humildade e mata a caridade. Na comunidade devemos, por reverência, inclinar-nos diante dos mais velhos, e cuidar dos mais jovens com caridade e solicitude. Sendo a caridade de Cristo o fundamento da nossa, nos dará a força para realizar o preceito do sermão da montanha, isto é, rezar pelos nossos inimigos e perseguidores (Mt. 5, 44). Conforme a palavra de S. Paulo ao Efésios, o sol não se deve pôr sobre nossas discórdias. Finalmente uma palavra de admoestação e consolo, que surpreende, e contudo, vem de um profundo conhecimento da alma: “nunca desesperar da misericórdia de Deus”. Precisamente aquele que se esforça seriamente, que faz grandes sacrifícios, e abandona tudo por amor de Deus, é que corre o perigo de um colapso. Diante de grandes desilusões, de infidelidades padecidas, de falta de compreensão mesmo por parte dos representantes de Deus, está ele sujeito a perder as esperanças. Tal crise pode sobrevir em meio dos trabalhos da profissão e sacrifícios em prol da comunidade. Pode aparecer também ante a perspectiva da morte. Nunca, porém, se deve transformar em catástrofe: “Quem em Deus confia, será protegido por sua misericórdia” (Sl 31, 10). Penetrando Deus todos os movimentos da alma, percebe em nós ainda algo de bom, mesmo quando já não o percebemos. Ele é caridade (1 Jo. 4, 16). Assim a doutrina de S. Bento sobre as virtudes começa com o amor de Deus, como sendo o primeiro mandamento fundamental, e termina com a misericórdia divina como um refúgio.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB
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