Os instrumentos das boas obras:
“Vigiar a toda hora os atos de sua vida.
Saber como certo que Deus o vê em todo lugar.
Quebrar imediatamente de encontro ao Cristo os maus pensamentos que lhe advêm ao coração e revelá-los a um conselheiro espiritual.
Guardar sua boca da palavra má ou perversa.
Não gostar de falar muito.
Não falar palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso.
Não gostar do riso excessivo ou ruidoso.
Ouvir de boa vontade as santas leituras.
Dar-se frequentemente à oração.
Confessar todos os dias a Deus na oração, com lágrimas e gemidos, as faltas passadas e daí por diante emendar-se delas.
Não satisfazer os desejos da carne.
Odiar a própria vontade.
Obedecer em tudo às ordens do Abade, mesmo que este, o que não aconteça, proceda de outra forma, lembrando-se do preceito do Senhor: “Fazei o que dizem, mas não o que fazem”.
Não querer ser tido como santo antes que o seja, mas primeiramente sê-lo para que como tal o tenham com mais fundamento..
RSB, Cap. 4, 48-62
O último grupo de, sentenças, com suas referências escatológicas à eternidade, manifesta claramente a conclusão de um fio de ideias. Pode-se justificar que se considerem neste catálogo de virtudes até agora descrito, aquelas exigências feitas a todos os cristãos relativas à vida espiritual; forma assim o pressuposto para a sublime e constante aspiração: do monge. A passagem abrupta da morte para O actus vitae parece também sugerir que deve começar aqui uma nova vida:
“Vigiar, a cada hora, as ações de sua vida.
Estar certo de que Deus nos vê em tôda a parte”,
Estes dois “instrumentos” formam a ponte para uma série mais longa de sentenças, estabelecendo a união com Deus que nunca deve ser interrompida nem no tempo nem no espaço. Esta união cria a atmosfera espiritual na qual a vida do monge se desenvolve, não só quanto às manifestações externas, mas também, e principalmente, quanto à atitude interna. O monge anda na presença de Deus para Quem está dirigido seu olhar interior. Sempre e em toda parte, seu modo de agir é vigiado pelo amor. Este recolhimento interior penetrará de tal modo o homem que ele procurará elevar todos os seus pensamentos e desejos até os mais leves movimentos. Isto é atestado pela observância dos seguintes ensinamentos:
“Os maus pensamentos que se aproximam do coração, desfazê-los imediatamente em Cristo e revelá-los ao pai espiritual,
preservar a boca de conversas más e depravadas,
não gostar de muito falar,
não pronunciar palavras vãs e jocosas,
não gostar de rir muito e às gargalhadas,
ouvir com prazer as santas leituras,
entregar-se com frequência à oração,
confessar a Deus diariamente, na oração, com lágrimas e gemidos seus pecados passados; mas para o futuro, corrigir-se do pecado,
não seguir os prazeres da carne (Gal. 5, 16),
odiar a própria vontade,
obedecer em. tudo aos preceitos do abade, mesmo quando ele agir de modo diferente — o que Deus não permita! — e, tendo na memória o preceito do Senhor: “fazei o que eles dizem, mas não façais o que eles fazem!” (Mt. 23, 3),
não querer ser chamado santo antes de o ser; mas sê-lo primeiro para que assim seja chamado com razão”.
As almas que aspiram à virtude são também assaltadas por maus pensamentos. No prólogo falou S. Bento destas perturbações da alma e opôs-lhes logo como barreira a rocha inabalável que é Cristo. Logo que o espírito mau se aproximar da alma, o olhar confiante e cheio de fé em Cristo, há de transformar as trevas em claridade, e desfazer todo o mal de encontro a Cristo.
Ao falar deve a palavra ser ponderada com cuidado e parcamente empregada, não se rebaixando a coisas superficiais ou ridículas. Não se pretende provocar os outros ao riso e, apesar de toda a alegria, guarda-se uma seriedade comedida. O ouvido inclina-se com prazer às santas leituras, e delas haure sempre novo entusiasmo para a oração. Quanto mais se progride no domínio de si mesmo e na virtude, tanto mais se aprende a julgar, de maneira justa, os pecados e faltas passadas. Esse recolhimento em si mesmo leva o monge a se confessar com lágrimas diante de Deus, e suplicar ao Senhor, na oração, perdão e misericórdia, renovando assim seu arrependimento do pecado. Ele não se deixará levar pelos instintos naturais ligados a nosso corpo, mas sob todos os aspectos odiará a própria vontade como a um sedutor. A par destes requisitos cristãos, válidos em geral para a vida cristã bem ordenada, tem o monge ainda os preceitos especiais, ordens e incumbências do abade, cuja execução se torna então sensivelmente pesada, quando o próprio abade leva uma vida imperfeita. Mas as faltas dos superiores não dispensam absolutamente a obediência. Ao contrário, S. Bento deixa aparecer aqui, claramente a vocação pneumática do abade, apoiando-se na palavra do Senhor: “fazei os que eles dizem, mas não façais o que fazem” (Mt. 23, 3). É a única passagem neste capítulo em que S. Bento se refere expressamente à Sagrada Escritura como ao “preceito do Senhor”, provavelmente com o fim de dar a tão dura prova de fé o mais firme fundamento. Tudo que o abade ensina ou ordena exige obediência; o que faz de mal pertence ao juízo de Deus. O monge não se deve arvorar em juiz do seu abade, que é para ele o arauto e o profeta da palavra divina. Conforme o capítulo segundo da Santa Regra, o abade é duplamente mestre: em palavras e ações. Se suas ações não forem exemplares, suas palavras continuam a sê-lo.
Depois de ter experimentado na vida prática todos estes instrumentos das boas obras, o discípulo de S. Bento poderia julgar ter alcançado a perfeição. Não é ele, graças a seu estado, chamado santo, bem-aventurado, reverendo padre? Contudo, agora é que deve, pouco a pouco, esforçar-se para chegar àqueles graus de santidade e união com Deus, os quais o farão digno de ser cognominado com semelhante título. Novamente parece tratar-se aqui de uma conclusão. Quem se submeteu completamente, nos pensamentos e sentidos, com o coração, a boca e o ouvido, a Deus e até a seus representantes humanos e imperfeitos, aparece aos olhos dos homens como perfeito. Entretanto, grande subida resta ainda ao que procura as virtudes que são menos percebidas exterior do que interiormente.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB
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