“Quais são os instrumentos das boas obras:
Primeiramente, amar ao Senhor Deus de todo o coração, com toda a alma, com todas as forças.
Depois, amar ao próximo como a si mesmo.
Em seguida, não matar.
Não cometer adultério.
Não furtar.
Não cobiçar.
Não levantar falso testemunho.
Honrar todos os homens.
E não fazer a outrem o que não quer que lhe seja feito.”
RSB, Cap. 4, 1-9
Na proclamação dos dez mandamentos, no monte Sinai, o povo eleito foi segregado dentre todos os povos pagãos por meio da obrigação de adorar um só Deus: “Eu sou o Senhor, teu Deus… Não possuirás nenhum deus estranho a meu lado” (Ex 20, 2-3). A fé expressa pelas palavras: “Nosso Senhor Deus é um só Senhor (Dt 6, 4) é enobrecida, de maneira excelente, pelo mandamento do amor de Deus: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, e com todas as tuas forças”. Mas Cristo, o Redentor, que veio ao mundo para cumprir a lei, subordinou a esse mandamento um outro: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Luc. 10, 27; Mc. 12, 31). Estes dois mandamentos, do amor de Deus e do próximo, fundiram-se em uma inseparável unidade (1 Jo 4, 20); constituem o mandamento supremo (Mt. 22, 36), sobre o qual a Igreja de Cristo edificou toda a sua doutrina moral, e é a ele também que S. Bento proclama aqui, com toda a energia, como sendo o fundamento da doutrina moral no mosteiro. Na Igreja não existe dupla moral. À união eterna com Deus, que cada cristão no século procura conseguir em sua carreira profissional mediante a fidelidade aos preceitos de Deus, é também o escopo particular do monge, que este se esforça por realizar fora do século seguindo os mesmos mandamentos, apenas de modo mais imediato e com certas renúncias espontâneas, debaixo de uma regra e de um abade.
Por isso, por menos indicado que possa parecer lembrar aos monges os dez mandamentos, são contudo eles que constituem a base da moral natural, e todos os homens correm o perigo de transgredi-los, se não na compreensão elementar dos mesmos, ao menos em seus efeitos mais delicados. Como já se observa na Didaché, também S. Bento não reproduz o decálogo inteiro, nem segue a ordem indicada na Sagrada Escritura. O que o Santo pretende é estabelecer sua doutrina de perfeição sobre a base do direito natural. Os fundamentos de qualquer sociedade humana são os mandamentos expressos sob forma negativa:
“Não matar,
não cometer adultério,
não furtar,
não cobiçar,
não levantar falso testemunho”,Sem eles, a ordem natural transforma-se em luta de todos contra todos. Em resumo, trata-se das paixões elementares da natureza humana, corrompida pelo pecado. Deve esta ser dominada pelos preceitos mencionados e enquadrada dentro da ordem comum da sociedade humana. Qualquer esforço para alcançar as virtudes cristãs tem de começar pela luta contra as paixões inferiores. O próprio S. Bento, em Vicovaro, experimentou, de maneira tremenda, como estas paixões podem explodir sob forma primitiva e selvagem até nos monges, apesar das privações e dos rigores externos. Ele quer, por isso, que cada monge tenha diante dos olhos esse princípio fundamental de toda autoeducação. O mandamento positivo:
“honrar todos os homens” (1 Pd 2, 17).
é como um complemento do quarto mandamento:
“honra teu pai e tua mãe” (Ex. 20, 12),
Imediatamente após o decálogo vem uma sentença que se encontra na Sagrada Escritura e na Didaché, mas que, pelo conteúdo e pela forma, é um provérbio humano de valor universal: “Não se faça a outrem o que não se quer que aconteça consigo mesmo” (Tob 4, 16; em sentido positivo Mt. 7, 12). Esta máxima de vida tirada da experiência natural e já corrente na antiguidade encerra o primeiro parágrafo dos instrumentos das boas obras.
Dom Ildefonso Herwegen, OSB
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